domingo, 18 de dezembro de 2016

Atualização sobre Doença Celíaca em Pediatria

Jessica Madden MD
The Patient Celiac

Tradução: Google / Adaptação: Raquel Benati



 Há poucos dias fiquei um pouco assustada por causa de um artigo publicado no Medscape, um respeitável site de informação médica. O título é "Dieta sem Glúten não repara danos intestinais em algumas crianças com doença celíaca" e discute um estudo recente da Drª. Margaret Leonard e sua equipe no Centro de Doença Celíaca celíaca do Massachusetts General Hospital, mostrando que quase 20% das crianças com doença celíaca continuam a mostrar sinais de danos intestinais em biópsia, depois de já  terem estado em dieta livre de glúten por um bom tempo (mais de 12 meses). Em muitos casos, os doentes pediátricos com lesão persistente tinham experimentado uma normalização dos níveis de anticorpos celíacos e não tinham mais sintomas. O impacto a longo prazo da cicatrização retardada não é claro, mas os autores especulam que a inflamação contínua pode afetar o desenvolvimento físico e cognitivo, bem como aumentar o risco de linfoma, baixa densidade mineral óssea, e / ou fraturas.

Eu presumo que todos nós sabemos que o tratamento atualmente aceito para a doença celíaca é seguir  uma dieta rigorosa sem glúten por toda a vida. No entanto, a gestão da doença celíaca exige mais do que apenas comer sem glúten, e um monte de follow-up.

Um grupo de especialistas em doença celíaca, incluindo Drs. Fasano e Guandalini, recentemente elaborou orientações atualizadas para a gestão da doença celíaca em Pediatria, que foram publicadas na revista Pediatrics em 2016. Todas as recomendações são baseadas em evidências científicas, bem como as suas experiências cuidando de pacientes com doença celíaca. Abaixo apresento um resumo rápido das suas recomendações (ver referência no final do artigo para mais detalhes):

1 - Saúde óssea: A doença celíaca pode levar a problemas como dor óssea, baixa densidade mineral óssea e fraturas inexplicáveis. Felizmente, o início de uma dieta livre de glúten restaura a massa óssea com a densidade normal em quase todas as crianças e adolescentes.

a- Crianças - todas devem ser rastreadas para a deficiência de vitamina D no momento do diagnóstico;
b - Pais devem ser aconselhados sobre o consumo adequado à idade - de cálcio e vitamina D;
c - Crianças que não aderem à dieta sem glúten devem ter o teste de densidade óssea realizado.


2 - Problemas Hematológicos (sangue): anemia por deficiência de ferro é a mais comum.

a- Crianças -  todas precisam ser rastreadas para a anemia por deficiência de ferro no momento do diagnóstico e repetir hemograma completo nas visitas de acompanhamento médico;
b -As crianças com doença celíaca não precisam ser testadas rotineiramente para a deficiência de folato.


3- Problemas endócrinos associados (Hormonais): doença da tiróide autoimune, diabetes tipo 1, doença de Addison, distúrbios das paratireóides, e deficiência de hormônio do crescimento são todos associados com a doença celíaca.

a- Crianças - todas devem ser rastreadas para a doença da tireóide, no momento do diagnóstico da doença celíaca e em suas visitas de acompanhamento;
b -Pais devem ser orientados sobre os sinais e sintomas da diabetes tipo 1, mas as crianças não precisam ser testadas para diabetes, a menos que os sintomas se desenvolvam.


4 - Função hepática: doença celíaca pode estar associada com enzimas hepáticas elevadas e hepatite. Muitos pacientes com doença celíaca não respondem à vacina da hepatite B.

a -Crianças com doença celíaca devem ter suas enzimas do fígado verificadas no momento do diagnóstico
b- Protocolo de vacinação  -  deve ser verificado no momento do diagnóstico de doença celíaca se a criança já foi vacinada para Hepatite B.


5- Problemas nutricionais e doença celíaca: problemas nutricionais podem decorrer tanto de inflamação intestinal, bem como de um resultado da dieta livre de glúten.

a - Crianças - todas com doença celíaca precisa ter a sua altura, peso e índice de massa corporal (IMC) monitorado;
b - Todas devem ser encaminhadas a um nutricionista experiente, que tenha conhecimento sobre doença celíaca (nem todos tem!);
c - Multivitamínicos devem ser oferecidos no momento do diagnóstico.


6 - Testes e monitoramento para doença celíaca:

a - Os testes de rastreio iniciais para doença celíaca devem incluir antitransglutaminase IgA (tTG). Este teste também deve ser feito após o diagnóstico, para monitorar o cumprimento da dieta isenta de glúten.
b -10% dos celíacos são seronegativos, o que significa que os anticorpos celíacos são falsamente negativos, embora a doença celíaca esteja presente!
c - Teste genético para doença celíaca pode ser útil na tentativa de descobrir se é válido prosseguir com um desafio de glúten e também em crianças que tenham sido colocadas sobre dieta livre de glúten antes do diagnóstico.


Referências

Leonard, M., Weir, D., DeGroote, M., et al. Value of IgA tTG in Predicting Mucosal Recovery in Children with Celiac Disease on a Gluten Free Diet. Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition. Published online Nov 3, 2016.

http://journals.lww.com/jpgn/Abstract/publishahead/Value_of_IgA_tTG_in_Predicting_Mucosal_Recovery_in.97326.aspx

"Conclusões: Quase 1 em cada 5 crianças com doença celíaca em nossa população tinha enteropatia persistente apesar de manter uma dieta sem glúten e antitransglutaminase não foi um bom marcador sobre recuperação da mucosa. Nem a presença de sintomas nem sorologia positiva foram preditivos de histologia de um paciente no momento de repetição da biópsia.  Esses achados sugerem uma revisitação de critérios de monitorização e gestão de doença celíaca na infância."


Snyder, J., Butzner, M., DeFelice, A., Fasano, A., Guandalini, S., Liu, E, Newton, K. Evidence-Informed Expert Recommendations for the Management of Celiac Disease in Children. Pediatrics. 138(3). September 2016.

http://pediatrics.aappublications.org/content/138/3/e20153147?download=true

Texto Original:
http://www.thepatientceliac.com/2016/11/15/pediatric-celiac-disease-updates/ 

domingo, 11 de dezembro de 2016

O valor dos alimentos sem glúten - por que são tão caros?

Por Raquel Benati

Publicado em 28 de setembro de 2012 no Grupo Viva sem Glúten - Facebook -
Atualizado em 2016



Todos nós celíacos ou que adotamos uma dieta sem glúten concordamos com uma coisa - nossa alimentação é mais cara do que a da maioria da população. Ninguém aqui compra alimentos sem glúten caros apenas por diversão ou por não ter nada melhor para fazer. Quando ficamos felizes em poder ter acesso a produtos sem glúten saborosos mesmo que muito caros, não estamos dizendo que somos "alienados" e não vemos o que está a nossa volta. Só estamos felizes por poder comer algo igual ou parecido com o que já comemos um dia na vida. Ficamos felizes assim também quando conseguimos que uma receita dê certo e seja aceita por nossos familiares e amigos.

Mas é preciso entender o porque nossa alimentação é mais cara:
1 - se um pão de sal comum usa 3 ou 4 ingredientes, nossos pães podem ter até 18 ingredientes;
2- o trigo tem carga tributária subsidiada, pois é a base da alimentação de 99% da população brasileira, fazendo com que os alimentos produzidos com ele tenham preços acessíveis e mais baratos que frutas e legumes, permitindo que possam ser comprados em qualquer esquina, com data de validade extensa e em quantidade abundante;
3- Nossos produtos são especiais - além do número de ingredientes, a empresa que produz tem responsabilidade dobrada por causa do controle sobre os riscos de contaminação cruzada por glúten, aumentando o trabalho com limpeza de ambiente, máquinas, capacitação dos funcionários; o fornecimento de matéria prima é feito por empresas que dão garantias de que não tem traços de glúten, etc., o que nem sempre será daquela empresa que tem o preço mais competitivo no mercado;
4- A maior parte das empresas que produzem sem glúten estão localizadas no sul do país - os produtos viajam centenas de quilômetros para chegar na nossa casa;
5- Por maior que seja o investimento em pesquisa e tecnologia, ainda estamos engatinhando nessa produção sem glúten e o sabor e textura dos alimentos ainda estão longe de serem iguais aos que tem glúten;
6 - Para tentar chegar a uma textura mais aceita, nossos produtos são mais calóricos, com mais gordura, açúcar e coadjuvantes (gomas, fibras, pectina, lecitina, etc.) do que os similares com glúten;
7- Não tem conservantes naturais (o glúten também tem esse papel de ajudar a conservar) e por isso precisam de geladeira ou tem validade curta - o lojista gasta mais com energia elétrica, equipamento e espaço dentro da loja e ainda perde o produto se ele não tiver saída rápida;
8 - Quem faz ficha técnica das preparações sem glúten sabe a enorme variação a que esses produtos estão sujeitos, seja na quantidade de líquidos, seja pela umidade do ar e temperatura ambiente, seja na diferença de textura de um lote de farinhas para outro, e assim por diante.

Poderíamos ficar aqui escrevendo sem parar sobre esse assunto, listando mais uma série de razões, mas na verdade o que importa é que uns podem comprar produtos da Schar, outros podem comprar Casarão ou Aminna, e muitos não podem comprar e nem tem acesso a nada disso. Comem arroz com feijão, legume e verdura no café da manhã, almoço e jantar e pipoca e fruta nos lanches - se tiverem gás ou lenha pra cozinhar.

O que nós celíacos podemos fazer para mudar essa situação ?

Nossa LUTA deve ser pelo Direito Humano a Alimentação Adequada (DHAA) de TODOS os celíacos desse país. Como fazemos isso ?

Poderia ser:
- apresentando projetos de lei que possam diminuir a carga tributária de alimentos para fins especiais (isso não é para comprar coxinha e pizza, mas para termos produtos saudáveis e considerados essenciais na alimentação das pessoas);
- apresentando projetos de lei, garantindo uma ajuda mensal para as famílias de celíacos carentes desse país...

O que não podemos fazer é apenas reclamar e ponto final. Seja mobilizando as pessoas, seja participando de algum grupo ou associação de celíacos, seja participando dos Conselhos de Saúde, Segurança Alimentar, Alimentação Escolar, etc., é só assim que vamos mudar o que existe hoje.

Sugestão de leitura - é um texto da Dra. Cynthia Schuck de 2009, mas ainda reflete a nossa atualidade:
https://issuu.com/revistavidasemgluten/docs/semgluten